Económia

A complexa questão da habitação em Angola

Enquanto na parte central da cidade de Luanda,  se erguem edifícios residenciais e de escritórios, alguns deles a 10 milhões de dólares a fracção, como a penthouse da torre do Ambiente, em Luanda, o Governo esforça-se por atender as necessidades do segmento social de media e baixa renda.
Estamos a falar da complexa questão da habitação em Angola, que todos os dias – acreditem -, consome a adrenalina dos que lutam para adquirir ou constituirem com meios próprios, o seu lar.
Uns poucos fazem-no de forma linear,  isto é, respeitando as regras, e a imensa maioria opta por caminhos ínvios para conseguir ocupar uma parcela de terreno, onde quer que seja, para estabelecer-se – de preferência – junto de locais que evitem despesas, com os transportes.
Estivemos durante 15 dias a sentir o pulso à cidade. Concluímos que a desordem urbanística da cidade, a explosão demográfica na capital angolana acontecem, na periferia,  pelas oportunidades de sobrevivência que o negócio oferece.
A ocupação de terrenos, alguns deles pertencentes às reservas fundiárias do Estado, tem motivações económicas e não políticas, como eventualmente alguém poderá pensar. Por exemplo, os cidadãos de outras províncias, que se fixam, de forma célere, em sítios próximos do aeroporto de Luanda e dos grandes mercados informais actuam de forma racional, no meio da desordem, procurando maximizar o lucro do seu negócio. E é assim que investem na construção do lar – doce lar -, transformando-os em residência e estabelecimento comercial, onde são transaccionados produtos manufacturados, adquiridos nos grandes armazéns de distribuição, espalhados na periferia.
Daí a desordem urbanística em que caiu a capital de Angola.  Dir-se-á que existe uma máquina invisível a comandar tudo e a fazer com que os esforços governamentais se esvaziem e não correspondam às expectativas nacionais.
A inversão deste quadro implicará uma mudança radical na forma como se pensa o país e nos métodos até aqui aplicados para resolver problemas. A descentralização administrativa, a dispersão de projectos infra-estruturais, para outras localidades do país contribuirão imenso para a descompressão da capital, que apesar dos esforços no seu reordenamento urbanístico, está a rebentar pelas costuras.
Em suma é necessário e urgente estancar o êxodo do campo para a cidade, como se diz em teoria.

Como se constrói uma vida na
cidade de Luanda
Os problemas conjunturais que a cidade de Luanda vive, não se resolverão de forma rápida e satisfatória. E é aqui que se sentem os efeitos dos longos anos de guerra que Angola viveu. O clima de paz permitiu que os angolanos redescobrissem o país. Curiosamente era em Luanda que Angola se faz(ia) sentir, devido a sua condição de centro decisório.
As pessoas ávidas de resolverem os seus problemas são impelidas a pensarem numa perspectiva egocentrista. Se é em Luanda que está o Governo, então é lá que vamos resolver o nosso problema. Esse raciocínio é fruto de uma frutuosa conversa que mantivemos com Marinela Silva (o nome é fictício), que se fixou em Luanda, vai para 19 anos, proprietária de duas casas (uma no bairro Rocha Pinto e outra no bairro Fubu, na zona de Camama). As residências são a menina dos seus olhos, pois permitem-lhe encarar tranquilamente o futuro, com a educação dos seus quatro filhos, ajudar familiares que deixou em Malanje, ainda menina, quando decidiu fixar-se na capital do país.
“Luanda era um sonho para mim. Via as minhas primas todas bem compostas, que vinham para Malanje visitar a família e fiquei com ansiedade de viver nessa cidade. Falei com a minha tia, ela aceitou e eu vim”.
Marinela Silva é uma malanjinha de gema. Não esquece as suas raízes, sequer as alimentares. É de lá que recebe os quitutes da terra e os comercializa à porta de casa. Aprendeu cedo a lidar com as dificuldades da vida, ainda com a tia, que também fazia negócios para manter a família. Cresceu depressa e libertou-se da tutela familiar, quando uma gravidez inesperada a atirou para os desafios da vida.
Fez-se mulher em dois casamentos  falhados, aprendendo a decidir sozinha o seu destino. Entregou-se de alma e coração ao negócio informal, vendendo de quase tudo. E lembra-se: “eu comecei por vender água fresca, em sacos de plástico. Punha numa bacia de plástico e ia no mercado zungar. O dinheiro dava para a comida de todos os dias”.
Hoje é dona e senhora de duas habitações na periferia de Luanda, que dão sustento aos seus sonhos. Criar os seus filhos com os proventos das casas e dos seus negócios no Mercado. É uma quitandeira que domina todos os meandros do comércio informal.
Aos 45 anos de idade, Marinela Silva aprendeu a medir os sinais do tempo. E a farejar um bom negócio que dê dinheiro. Entenda-se lucro.
“Eu construí a minha primeira casa, com o dinheiro dos meus negócios. Da água fresca passei para a fuba de bombó, que recebia de Malanje. A minha fuba era aquela branquinha e por isso facturava bem”.
Marinela Silva elucida-nos que adquiriu o terreno a um senhor amigo e conterrâneo, que tratou de tudo (legalização). Apenas pagou o preço devido.
Dois mil e quinhentos dólares, em 1984. Com o alvará do amigo lançou-se para a empreitada de construção. Adquirindo cimento e areia para os primeiros blocos.
“Levei dois anos a cobrir a casa do Rocha Pinto. Ela hoje tem quintal todo ele de blocos. É de quarto quartos, cozinha e casa de banho, no quintal. Está hoje alugada. Até me dá dinheiro, para mandar na minha filha que está na tuga a estudar para ser doutora”.
“Quanto gastei? – interroga-se. Já perdi a conta. Mas na altura o cimento é que dava dor de cabeça. Era da Cimangola. Mas acho que gastei mais de 20 mil dólares”.


 Marinela Silva adianta-nos que se mudou para o bairro Fubu, por ser uma zona nova e por  estar ciente  que o bairro Rocha Pinto será brevemente requalificado. A sua experiência de vida levou-a para outros pensamentos. O de construir noutras paragens.

Um sentimento generalizado
Ao longo da conversa, com esta senhora de garra, foi-nos dado observar que os modelos de actuação e de sobrevivência são idênticos, nas senhoras que se acercaram para acompanharem o desenrolar do nosso diálogo informal com Marinela Silva.
“Aqui a minha colega Maria Fuxi também começou como eu. Ela está no negócio da carne. Vende frango e carne de vaca congelada. Já tem duas bancas. Uma no Rocha e outra aqui no Fubu”.
Maria Fuxi é mais reservada e não quer partilhar com estranhos a sua experiência de vida.
Custou a arrancar dela o essencial da reportagem, que consistia em saber se era proprietária de alguma residência. A muito custo conseguimos saber que está a lançar os caboucos da terceira casa, no mesmo bairro Fubu.
Temerosa de alguma imprudência que a levasse a confrontar-se com os agentes da lei, que frequentemente fiscalizam as áreas de construção clandestina, não quis comparticipar do nosso esforço.
Conseguimos saber que tem dois filhos fora, que a ajudam, com algumas remessas em dinheiro, e artigos de oportunidade (roupas e outros bens), que as filhas que tem consigo tratam de comercializar.
Com o dinheiro do seu negócio informal, Maria Fuxi construiu o “palácio” onde reside e mais uma em aluguer. A terceira está a erguer-se com os proventos do negócio, cujo rendimento mensal é superior a seis mil dólares americanos.
Adivinham-se novos tempos no negócio, com ofertas mais acessíveis à bolsa do cidadão.
O facto indiciador desta realidade pudemos senti-lo durante o Salão Imobiliário de Angola, realizado recentemente pela FILDA e seus associados, onde a imobiliária Proimóveis desafiou o mercado, com o lançamento de um projecto de duas mil moradias, de tipologia T3, a 85 mil dólares americanos, a erguer no perímetro habitacional de Camama.